terça-feira, maio 31, 2005

Preservação de mentirinha

Um dos vereadores de Ilhabela propõe que a frase "Ilhabela - cidade campeã de preservação da Mata Atlântica" seja estampada nos impressos oficiais, mais ou menos como já ocorre com "Ilhabela - capital da vela". A iniciativa é simpática e, se aprovada, pode beneficiar o turismo, mas parte de pressupostos equivocados.

O título de campeã sugere que Ilhabela foi responsável pela atual condição dos recursos naturais. Qualquer estudante do ensino fundamental de Ilhabela sabe que isso não é verdade. O principal responsável pelas boas condições da Mata Atlântica ilhabelense é o Governo do Estado de São Paulo. No final dos anos 70 o Governo Estadual, através da Secretaria de Meio Ambiente, criou o Parque Estadual de Ilhabela, classificando como área de preservação permanente cerca de 75% da Ilha de São Sebastião, onde se situa o município de Ilhabela, e asseverando as condições para modificação e ocupação de áreas vizinhas ao Parque. A cota 200 é apenas uma das regras para uso do solo na Ilha de São Sebastião. É fácil perceber que, se dependesse do poder público e da maioria dos cidadãos, esse limite já teria ido para o vinagre.

Outra confusão do título proposto está na proposital indefinição do que é território, cidade e município. O índice de preservação refere-se à ilha, não ao município. A Ilha de São Sebastião, de fato, está bem preservada. O município de Ilhabela, ao contrário, segue a passos firmes em seu processo de destruição e poluição dos recursos naturais. Acontece que tudo isso é chamado genérica e convenientemente de "cidade". Ilhabela, vejam vocês, é um lugar (território ou espaço físico) muito bonito que possui uma cidade (parte do território ocupada por pessoas, edifícios, logradouros e demais sistemas humanos) muito feia. Mais do que isso: para onde quer que a cidade cresça, ela é acompanhada de impacto negativo sobre o meio ambiente.

Há um terceiro problema no título. Via de regra, a abundância de um recurso natural é acompanhada do abuso em seu consumo ou exploração, a exemplo do que ocorre na Amazônia com a extração de madeira ou na própria Mata Atlântica com a extração de palmitos. A Mata Atlântica de Ilhabela, de forma análoga, oferece áreas verdes e água limpa. Não é difícil perceber que a exploração destes dois recursos tem crescido ano após ano. A popularização de um título de "campeã de preservação" pode, assim, deixar os exploradores ainda mais despreocupados e à vontade para continuar esgotando as cachoeiras de Ilhabela e derrubando árvores.