quinta-feira, agosto 25, 2005

O idílio idealizado


Marcel Duchamp diria: "Isto não é uma praia"

Moradores de Ilhabela, turistas e veranistas têm interesses muito diversos.

Moradores tentam construir suas vidas -- e todos sabemos que isso geralmente significa matar um leão por dia, não só em Ilhabela.

Turistas encaram Ilhabela como um lugar para ser desfrutado, o que não é essencialmente diferente daquilo que qualquer turista faz -- em Praia Grande ou em Honolulu. O que ele faz num hotel, ele acredita poder fazer em qualquer lugar da cidade.

Veranistas vivem uma situação ambígua. Possuem raízes profundas em alguma cidade grande e escolheram Ilhabela como o lugar da segunda residência. Pretendem, num futuro o mais breve possível, inverter a situação, instalando aqui a residência principal e deixando para trás as ninharias da metrópole.

Embora os interesses sejam diversos, esses três tipos coincidem num ponto. Eles esperam que a cidade seja perfeita, já que se acostumaram desde cedo à imagem de beleza idílica cristalizada ao longo das décadas e pela fama -- internacional inclusive -- que o turismo lhe proporcionou. Para todos os efeitos, Ilhabela é um lugar perfeito e todo traço de imperfeição é uma característica atípica, um desvio inaceitável daquela imagem idealizada.

O que esses três tipos de pessoas fazem para que tais desvios sejam encarados de forma realista e, afinal, solucionados? Nada. Apenas esperam que a cidade continue sendo aquilo que eles imaginam ser, que as leis sejam cumpridas para que eles possam cumpri-las também, que Ilhabela seja um paraíso.

Só que não há um paraíso, principalmente agora.

quinta-feira, agosto 18, 2005

É possível viver em Ilhabela?


Nem Tom Hanks agüentou Ilhabela

Para educar-se, é necessário sair de Ilhabela, buscar uma faculdade fora, e só depois retornar.

Para constituir uma carreira, obter renda para viver com conforto, é necessário primeiro ter obtido isso fora para só então vir para Ilhabela e estabelecer-se por aqui, fazendo do lugar uma espécie de asilo -- que eufemisticamente é chamado de "meu recanto", "meu paraíso" e outros atenuantes que pretendem, na verdade, ocultar as frustrações encontradas na cidade em que o sujeito realmente viveu, trabalhou e constituiu família.

(Piadinha maldosa: "Como tornar-se milionário vivendo em Ilhabela? r.: Basta ser bilionário.")

Todas as pessoas bem-sucedidas que vivem em Ilhabela viveram fora daqui por períodos muito significativos, seja pela duração, seja pelas conquistas obtidas nesses períodos -- renda e background.

Estas considerações me levam a perguntar: é possível viver em Ilhabela? Aqui é possível nascer, crescer, educar-se, trabalhar e construir uma carreira sólida e rentável, encontrar realização plena e cultura e várias outras coisas fundamentais para uma vida superior?

segunda-feira, agosto 15, 2005

Turismo internacional



Não são poucos os restaurantes de Ilhabela que não aceitam nenhum tipo de cartão (crédito ou débito) para pagamento de contas. Recentemente atendi dois turistas ingleses que se sentiram aliviados ao me ouvir balbuciar algumas palavras em inglês, o que foi suficiente para atendê-los; hoje mesmo a cena se repetiu, desta vez com uma turista italiana, visivelmente perturbada com a incomunicabilidade que decerto experimentara antes.

Já faz tempo que Ilhabela aparece nos mapas-múndi das agências de turismo de outros países. Algum tempo há também que a cidade foi incluída nos roteiros dos navios de passageiros -- e a maioria derrama turistas europeus nas ruas e trilhas da cidade. Recebê-los bem não é apenas uma obrigação, conforme as regras do turismo, é também um bom negócio.

Contudo, há ainda dois problemas bastante sérios:

1) o despreparo de trabalhadores e empresários do setor para o turismo internacional.
2) a enorme distância que separa a população dos eventos, programas e estabelecimentos turísticos, como se houvesse duas cidades totalmente distintas no mesmo lugar, oferecendo dois tipos de produtos diferentes, dois preços e duas qualidades -- uma para o turista, outra para o morador.

Não que o turismo deva ser a prioridade máxima de todos os setores da cidade, mas para quem pretende a mesma fama da Amazônia, de Fernando de Noronha ou de Bonito, falta muito, muito mesmo. Os navios, que chegarão mais cedo este ano e em maior número, são sinal de que Ilhabela ainda tem chances de chegar lá -- e a população local não precisa ser penalizada com isso.

Resta saber o que Ilhabela quer, do que Ilhabela precisa.

Uma breve reflexão sobre o assunto está aqui.

quinta-feira, agosto 04, 2005

A conveniência do silêncio

O prefeito Manoel Marcos continua cassado. Seu recurso foi recusado no último dia 27.

O curioso é que a cidade e a imprensa local simplesmente ignoram o fato. Num lugar em que a fofoca é uma instituição tão sólida quanto antiga, surpreende o silêncio em torno da cassação do prefeito e do vice-prefeito.

O mesmo jornal que veiculou o fato (Latitude 23º), entrevistou o prefeito cassado como se nada tivesse acontecido. "E agora, prefeito?" é o mínimo que se espera de um jornal sério. O Diário do Litoral Norte limita-se a não tocar no assunto -- atitude não menos grave do que fingir que está tudo bem. No Jornal da Ilha mais recente nenhum dos articulistas mencionou a cassação -- o que decerto se explica pela periodicidade mensal do jornal.

Poucos se dão conta de algumas implicações bastante graves da cassação:

1) Se a profecia se cumprir, nosso prefeito provisório será o vereador Luiz Lobo, campeão de votos na última eleição. Outra hipótese é o vereador Beto, segundo colocado.

2) Nenhuma das duas opções é boa, sem querer ferir os brios de ninguém. Ambos se candidataram para cargos legislativos, não executivos. E, até onde sei, nenhum dos dois tem qualquer experiência em cargos públicos executivos.

3) A cassação de prefeito e vice coloca essas duas pessoas no limbo político por quatro anos, o que, é claro, os elimina da próxima disputa pela prefeitura. Resta uma turba de candidatos derrotados, o que obriga a população a escolher entre o ruim e o pior.


Ganha um chokito quem adivinhar o que a instabilidade e a incerteza política significam para uma cidade em que todo mundo depende da prefeitura para algo -- afinal, vivemos na República Socialista de Ilhabela.

segunda-feira, agosto 01, 2005

Muito barulho por nada



Publicado no jornal Latitude 23 graus:

Desconfiado com a presença constante da bandeira vermelha, indicativo de praia imprópria, na do Pinto e Armação, o vereador Carlinhos(PMDB) resolveu acompanhar in loco a coleta de água realizada pela Cetesb. Qual a surpresa do vereador ao constatar que a amostra é retirada em ambos os casos num canto pouco freqüentado por banhistas e ao lado de córregos. Carlinhos questionou o funcionário da empresa porque da coleta não ser realizada no mar, em local de maior freqüência de banhistas? Outra surpresa, o funcionário disse ao vereador que recebia ordens para a coleta ser realizada próximos aos córregos. Carlinhos na bronca encaminhou requerimento de informação a Cetesb para saber qual o critério da empresa para realizar as coletas e do porque que na Praia do Pinto e Armação ela é realizada próxima a cursos de água doce? Valeu Carlinhos de Nilo!

A notícia acima foi publicada com o título Balneabilidade do mar ou de córrego?. A resposta à pergunta acima é tanto faz -- já que as amostras são retiradas do mar, perto dos córregos. Eu desconheço a metodologia da Cetesb, mas raciocinando posso concluir o seguinte: se a água do mar mais próxima do córrego (área de onde as amostras são retiradas) estiver limpa, certamente o restante da praia estará em boas condições de balneabilidade. Se não, há boas chances de que a água de outras áreas da praia também não esteja em boas condições, o que justifica a bandeira vermelha, já que os banhistas podem querer tomar banho de mar em qualquer trecho da praia, inclusive nos mais próximos dos córregos.

Não há nada de estranho com a metodologia da Cetesb. Estranho é um vereador questionar isso (e um jornal local ir a reboque) sem se dar conta de que toda a poluição das praias de Ilhabela vem dos córregos que nelas desembocam.