quinta-feira, abril 26, 2007

Como você vê Ilhabela?


Fonte da imagem, aqui

Faça uma experiência. Acesse o Flickr. Vá até lá e digite "ilhabela" na busca. Observe os resultados.

Eu fiz isso. Observei a maioria dos 4073 resultados e percebi uma coisa: as pessoas sempre parecem felizes. Sorrisos, reuniões de amigos ou familiares, a alegria do ócio na praia ou numa rede, o bom restaurante, o descanso no hotel. A alegria e a satisfação desses momentos estão estampadas nos rostos das pessoas. A imagem que essas pessoas trazem de Ilhabela, e que gostam de mostrar, é uma imagem de felicidade.

É claro que muitas fotos não são mostradas em sites como o Flickr. Faz parte do instinto de auto-defesa esconder ou apagar os maus momentos e expor apenas os bons. Mas no caso de Ilhabela no Flickr algo muito particular acontece. Não são apenas os maus momentos que são omitidos; fotos neutras -- de paisagens, por exemplo -- são desproporcionalmente incomuns entre as 4073 imagens, como se as pessoas fizessem questão de mostrar que estiveram em Ilhabela e que ficaram muito felizes. Esse tipo de observação não tem muita importância para o turista ou para todos esses fotógrafos. Para quem vive em Ilhabela, no entanto, pode ser uma descoberta interessante.

Há pessoas que não gostam de Ilhabela. A despeito de suas qualidades, eu mesmo já senti um certo mal estar por viver em Ilhabela. Vista sempre desde dentro, Ilhabela perde grande parte de sua aura idílica. Torna-se o lugar-comum, o lugar do dia-a-dia -- algo que raramente origina cartões postais ou preenche álbuns de fotos. Ao mesmo tempo, Ilhabela é um lugar de alegria e felicidade para um número razoável de pessoas. Naturalmente, essa diferença entre o olhar do morador e o olhar do turista sempre existirá. Ocorre que em cidades grandes, não-turísticas, essa diferença é consideravelmente menor.

No caso de Ilhabela, além das diferenças inerentes à condição do morador e à do turista, diferenças sócio-econômicas ajudam a explicar o efeito que este lugar causa nas pessoas. O turista que vem a Ilhabela tem dinheiro e sabe que encontrará um lugar caro. Parte da felicidade dessas pessoas pode ser explicada pelo simples fato de elas terem dinheiro e poderem utilizá-lo em um lugar que -- apesar de tudo -- continua bonito; por não terem que dividi-lo com farofeiros; por ainda encontrarem alguma exclusividade, a despeito do crescimento do turismo na região. Há poucas coisas menos inclusivas do que a felicidade; ela é sempre individual.

Mas eu não queria me ater às diferenças. O que há de semelhante entre o olhar do turista, que tão facilmente se encanta com Ilhabela, e o olhar do morador, que às vezes não se sente feliz por viver aqui?

Há pelo menos um ponto comum entre os dois olhares: eles têm o mesmo lugar como objeto. A mesma Ilhabela causa a felicidade a alguns e insatisfação a outros. Qual das duas visões é mais "real"? Se cada visão trata do mesmo objeto e elas são díspares, pode-se admitir que ambas padecem do mesmo problema de irrealidade ou miopia ou incompletude. O olhar do turista é real dentro de sua parcialidade. O olhar do morador também é real e parcial. Trata-se, afinal, da velha parábola do elefante.

Se o morador fosse capaz de ver as coisas que satisfazem o turista, talvez fosse tomado por esse mesmo sentimento de felicidade -- o que seria indiscutivelmente bom.

O oposto pode não ser verdadeiro. Se o turista vir o que o morador vê ele não ficará necessariamente aborrecido e insatisfeito. Sua experiência se tornará mais rica, ele verá coisas que não costumava ver e, embora possa não encontrar coisas maravilhosas, a sensação de completude o deixará satisfeito.

É impossível definir Ilhabela com base em duas visões particulares. A elas somam-se várias outras visões. O morador é também profissional ou estudante. O turista pode ser veranista e já ter um pé fixo no arquipélago. Diversos turistas tornam-se moradores. Há aqueles que moram aqui por vários anos e mudam-se para cidades grandes. Todas essas condições implicam diferentes formas de ver a cidade. Os jovens de Ilhabela, por exemplo, têm uma visão particular da cidade em que vivem, e esta visão merece uma atenção que até hoje não existiu. Os papéis que as pessoas desempenham em Ilhabela são numerosos e intercambiáveis; é nesta multiplicidade que o lugar se sobressai, é nesta multiplicidade que Ilhabela merece ser observada e compreendida.

segunda-feira, abril 09, 2007

Ilhabela, cidade miúda



Ontem pesquei a conversa de dois rapazes durante a travessia. Um deles perguntava ao outro como é morar em Ilhabela. Este, que havia se mudado recentemente para cá, repetia aqueles clichês de quem veio de uma cidade grande e não encontrou cinema, shopping e McDonald's no arquipélago. O pior clichê expelido pelo rapaz era aquele que fala de uma ponte no lugar das balsas.

Eu entendo a aflição do rapaz. Em Ilhabela não há congestionamento todos os dias. A poluição dos rios ainda não fede. Ainda há praias e algumas continuam balneáveis. A poluição não chega a atrapalhar os pulmões. A paisagem é verde demais. Estas coisas, para quem cresceu acostumado às coisas da capital, são insuportáveis. E o silêncio? O que é isso?

Felizmente há os feriados, que trazem um pouco da agitação e dos problemas urbanos para Ilhabela. Os neuróticos recém-chegados a Ilhabela podem encontrar algum alívio nestas ocasiões. Filas nos mercados, nos bancos, fila até para ir à praia.

*
Ironias à parte, eu ainda me surpreendo com discursos desse tipo.

É evidente que não sou defensor do "ame-o ou deixe-o". Você acha que Ilhabela tem problemas? Eu concordo, mas vamos discutir. O que você acha que é um problema pode ser uma grande virtude para quem vive aqui há mais tempo e, ademais, você pode estar ainda atrelado ao seu estilo de vida metropolitano.

Seja capaz de perceber isso, seja capaz de perceber a superficialidade de sua observação.

E não seja estúpido ao ponto de falar de pontes, de prédios e de valores metropolitanos como soluções para problemas que não são exatamente problemas e que não são exatamente daqui. Pontes são coisas boas, assim como shopping centers e cinemas. Mas perceba que cada uma dessas coisas tem um preço e tê-las em Ilhabela significaria sacrificar aquilo que conferiu algum valor a este lugar e que a duras penas resiste ao avanço dos valores metropolitanos.

São estas coisas que tornam Ilhabela um lugar único. E seria muito bom se este lugar continuasse a ser único.