sábado, maio 30, 2009

Questão de ordem

violência

Meu artigo mais recente no jornal Canal Aberto.
O Estado organizou-se bastante para assuntos que considera fundamentais, como alimentos saudáveis em cantinas escolares, a cruzada antitabagista em estabelecimentos privados e as lágrimas da menina Maísa na TV. Enquanto isso, quarenta mil homicídios por ano não são suficientes para tornar o assunto prioridade máxima. Mata-se mais no democrático e malemolente Brasil do que no radical e belicoso Oriente Médio.

terça-feira, maio 26, 2009

Cidade e Natureza

ilhabela satélite

O título deste post é também o título de minha dissertação de mestrado. Depois de três anos de estudos, terminei a pós-graduação e entreguei a pesquisa, sob orientação do Prof. Dr. Fábio Mariz Gonçalves, a quem sou profundamente grato.

Não posso deixar de registrar também minha gratidão à minha namorada e à minha mãe -- duas pessoas fundamentais em minha vida, que me apoiaram de diversas formas. Sem elas meu mestrado nem teria começado.

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Postarei aqui apenas o resumo e a introdução, que explicam bastante coisa sobre a dissertação. Quem tiver interesse em ler a pesquisa na íntegra poderá baixá-la aqui.

Comentários são bem-vindos.

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Resumo

Este trabalho discute a evolução urbana de Ilhabela e seus desdobramentos sobre a paisagem e o meio ambiente. Nas últimas quatro décadas o crescimento econômico e populacional trouxe importantes transformações para as cidades turísticas do litoral brasileiro, em especial para Ilhabela, cidade-arquipélago situada no Litoral Norte do Estado de São Paulo. Estas transformações são analisadas ao longo deste trabalho, bem como a importância do turismo e do mercado imobiliário nesse processo. Este trabalho também analisa alguns empreendimentos imobiliários de Ilhabela como forma de compreender as articulações entre o mercado imobiliário, o turismo e as políticas públicas para o meio ambiente e o desenvolvimento urbano.

Palavras-chave: Ilhabela, litoral norte paulista, urbanização do litoral, paisagem litorânea, mercado imobiliário, turismo


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Introdução

No fim da década de 1950 o município-arquipélago de Ilhabela integrou-se ao restante do Litoral Norte do Estado de São Paulo com a instalação do serviço de travessia marítima. O acesso à cidade, antes realizado em canoas caiçaras, passou a ser realizado com balsas, o que permitiu a entrada de veículos, inclusive pequenos caminhões. Essa pequena mudança na rotina da cidade foi reflexo de transformações nacionais e regionais mais amplas. Ao mesmo tempo, a acessibilidade a Ilhabela foi o primeiro estágio de uma série de grandes transformações que se estendem até os dias de hoje.

Com o acesso à cidade vieram o turismo e a construção civil, que logo se tornaram as principais atividades econômicas de Ilhabela. Esta mudança ajuda a explicar fenômenos como a migração, o veranismo, o crescimento populacional e a ocupação desordenada, a especulação imobiliária, entre vários outros que fizeram parte da constituição de Ilhabela nas últimas quatro décadas e que decorrem daquelas duas atividades.

No final da década de 1970, a criação do Parque Estadual de Ilhabela foi o reconhecimento do valor ambiental e paisagístico do arquipélago. Paradoxalmente, esse reconhecimento impulsionou as duas atividades de maior impacto sobre o meio ambiente -- turismo e mercado imobiliário.

A necessidade de preservar as condições ambientais e paisagísticas originais de Ilhabela -- que permitiram o florescimento daquelas duas atividades -- trouxe questões que até hoje não encontraram respostas adequadas. A continuidade dos modelos adotados atualmente pelo turismo e pelo mercado imobiliário representará o esgotamento dos recursos naturais e causará alterações drásticas na paisagem de Ilhabela, o que poderá inclusive inviabilizar essas duas atividades — tal é o dilema que ora se coloca.

Este trabalho discute a formação de Ilhabela a partir do advento do turismo e do mercado imobiliário e a forma como estas atividades alteram a paisagem do arquipélago e são influenciadas por ela. Além disso, este trabalho também discute o surgimento dessas atividades e a articulação entre elas e a paisagem.

O que motivou este trabalho desde seu início foi a idéia de que os problemas que ora se apresentam na cidade estão relacionados com a forma como os protagonistas da formação urbana de Ilhabela compreendem este lugar. Neste sentido, cada atividade desenvolvida no arquipélago é movida por razões particulares e representa também uma postura particular diante das questões ambientais e paisagísticas que determinam a morfologia da cidade e a qualidade do espaço para seus habitantes. Assim, outro objetivo desta pesquisa foi observar essas razões e posturas e analisá-las à luz das características ambientais e paisagísticas de Ilhabela.

Este trabalho está dividido em três partes. A primeira apresenta o arquipélago e o município de Ilhabela, focalizando sua história urbana recente e os aspectos paisagísticos e ambientais das transformações pelas quais a cidade passou nesse período.

A segunda parte apresenta como cerne as diversas formas e conceitos que o turismo e o mercado imobiliário adotam para apreender e alterar a paisagem. Entre os temas abordados nesta parte estão a evolução recente do mercado imobiliário, sobretudo nas cidades turísticas costeiras; os anúncios publicitários e as estratégias de marketing adotadas para a comercialização de empreendimentos imobiliários; e, finalmente, o entendimento que o turismo e o mercado imobiliário possuem das questões ambientais, paisagísticas e fundiárias diretamente relacionadas àquelas cidades.

A terceira parte discute a evolução urbana de Ilhabela e os principais fatores que condicionaram esta evolução; a atitude do mercado imobiliário e do turismo neste processo; o impacto ambiental e paisagístico de alguns empreendimentos realizados em Ilhabela; o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado de Ilhabela (PDDI); e a postura do poder público e da sociedade civil diante dos problemas urbanos do arquipélago.

Esta parte da pesquisa divide-se conceitualmente em três partes: iniciativa privada, poder público e sociedade -- discutidas respectivamente nos capítulos 3.2, 3.3 e 3.4. O capítulo 3.2, ao tratar do mercado imobiliário, do turismo e dos empreendimentos, busca discutir o papel da iniciativa privada nas transformações ambientais e paisagísticas de Ilhabela. O capítulo 3.3 discute o papel do poder público municipal naquelas transformações. Por fim, o capítulo 3.4 avalia o entendimento que a sociedade — profissionais do setor imobiliário, formadores de opinião, imprensa e organizações não-governamentais -- tem sobre essas transformações.

sexta-feira, maio 15, 2009

Alvos fáceis



Em meu artigo desta semana no jornal Canal Aberto, destaco a questão da violência urbana e da criminalidade.
O poder público transmite um recado importante ao não colocar a defesa da vida como prioridade máxima em seus trabalhos. A competência para um cargo público pode ser medida pela forma como o sujeito define suas prioridades. Para trabalhar, investir no turismo e no mercado imobiliário, defender o meio ambiente e melhorar a infra-estrutura municipal é necessário antes estar vivo e ter a certeza de que sua família e seus bens não serão ameaçados. Qual brasileiro hoje pode ter essa certeza? Se nem mesmo os responsáveis por manter a paz e a ordem não têm senso de prioridades e não conseguem garantir a própria integridade, que dizer de cidadãos comuns?
Em minha opinião, a segurança pública e a defesa da vida deveriam ser as prioridades máximas de qualquer cidade. Todas as ações e políticas públicas deveriam ser desenvolvidas e avaliadas conforme a relação que têm com essas prioridades.

Por exemplo, a educação formal tem importante papel preventivo, assim como outros serviços e ações sociais básicas, como saúde e geração de empregos. Ações estruturais -- como realização de obras públicas -- interferem em alguma medida na segurança pública, já que delas podem depender a acessibilidade, a facilidade de deslocamento e a prevenção de crimes.

Naturalmente, algumas ações interferem diretamente. Outras, indiretamente. Mas há algumas que não interferem em nada. Em meu artigo eu chego a mencionar algumas ações públicas que são absolutamente inócuas e que deveriam ser deixadas de lado até que a criminalidade despenque a níveis humanamente aceitáveis.

Destaco ainda o peso que os crimes contra o patrimônio têm em Ilhabela. São freqüentes as ocorrências desse tipo, ainda que haja pouca divulgação pela imprensa local e regional. Muitas pessoas subestimam a importância desses crimes, já que eles afetam geralmente pessoas de poder aquisitivo mais alto, que, com efeito, recorrem a estruturas e serviços de segurança particular. Mas os crimes contra o patrimônio estimulam outras formas de crime, inclusive o organizado. E são ameaças à vida como qualquer outro crime.

Destaco também o problema da violência urbana representado por brigas e agressões -- bastante comuns na noite ilhabelense, principalmente em finais de semana. Estas ocorrências são as menos registradas e, por isso, raramente participam das estatísticas. É importante lembrar que um brutamontes que se põe a brigar na rua ou numa balada está cometendo um crime. Ao mesmo tempo ele colabora para piorar o ambiente social, como se este já não estivesse insuportavelmente ruim e violento.

Fico surpreso quando vejo que a maioria dos briguentos é gente conhecida, gente que freqüenta bares, restaurantes e eventos sociais em Ilhabela. Essas pessoas participam da sociedade ilhabelense como se fossem sujeitos dignos de respeito, como se o espancamento fosse um expediente razoável para resolver conflitos sociais.

Mas a surpresa diminui quando lembro que a história recente de Ilhabela traz inúmeros casos de pessoas públicas que saíram na mão, que chegaram às vias de fato. Quando até os homens públicos resolvem desavenças na porrada, o que esperar das pessoas que votam neles, que pagam seus salários, que seguem suas leis?

Talvez as coisas mudem quando houver uma intolerância generalizada a todas as formas de violência.

quinta-feira, maio 07, 2009

Proibido vender coxinha

Cigarros, coxinhas, batatas fritas, guaraná e os consumidores e comerciantes desses produtos são elevados à categoria de vilões. Enquanto isso, os verdadeiros vilões permanecem livres. Certamente é mais fácil proibir o consumo de coxinhas do que o consumo de maconha e cocaína; assim, o Estado constrói uma imagem de bom-mocismo e competência às custas da liberdade do cidadão. Só que o Estado não está genuinamente interessado em defender o cidadão. O Estado está interessado em aumentar o próprio poder, em invadir a vida do cidadão com restrições cada vez maiores e mais numerosas e em livrar-se das responsabilidades que não foi capaz de cumprir até hoje, pois o que é visto ajuda a esconder o que não é visto.

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Como o leitor poderá notar, meu artigo da quinzena no jornal Canal Aberto não trata de assuntos diretamente ligados a Ilhabela. Minha intenção foi, no entanto, alertar para a criatividade dos legisladores, que não é exclusiva dos deputados estaduais.

Em Santos, por exemplo, vereadores aprovaram lei que obriga restaurantes a fornecer fio dental para seus clientes. O que mais impressiona nessas iniciativas é, como disse em meu artigo, o aplauso geral. Muitas vezes nem mesmo os comerciantes vêem nessas leis qualquer traço de totalitarismo.

Oras, nada contra oferecer fio dental, alimentos saudáveis, cafuné, o que quer que seja aos clientes de restaurantes e de outros estabelecimentos. Recentemente estive num restaurante em cujo banheiro havia não apenas fio dental, como enxaguatório bucal -- achei genial. Acho apenas que isso não é da conta do Estado; deputados e vereadores simplesmente não devem perder tempo com essas questões.

Eu e você pagamos (alto) a essas pessoas para que cuidem de assuntos realmente importantes. Não me interessa ter fio dental no banheiro de um restaurante se ao sair de lá eu fico preso num engarrafamento ou se sou assaltado no primeiro semáforo em que paro.

As coisas essenciais estão longe de ser resolvidas. Logo, para o inferno com a criatividade para inventar leis -- aqui em Ilhabela, em Santos, em São Paulo, em qualquer lugar.


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Nota de agradecimento: por sugestão do leitor Pedro Volcoff, alterei a imagem do topo do blog (header). O próprio Pedro muito generosamente desenvolveu o novo layout e me mandou a imagem via email. A foto continua sendo a de sempre -- a praia do Pequeá (Engenho d'Água), foto que fiz em 2007 --, mas o novo layout é dele. Ao leitor-designer, meus sinceros agradecimentos.

terça-feira, maio 05, 2009

Lição de casa

ilhabela ocupação urbana
(clica para ampliar)

A lição de casa da semana é ler O nosso espião do espaço, matéria da VejaSP sobre a ocupação urbana no Litoral Norte SP. Eis a introdução:
Um dos cenários mais belos de toda a costa brasileira, o Litoral Norte de São Paulo reúne o céu e o inferno em suas praias espremidas entre o Oceano Atlântico e as montanhas verdes da Serra do Mar. Quem percorre a Rodovia Rio-Santos assiste atônito à sobreposição de paisagens: costões, curtas faixas de areia, mar cristalino, ilhotas e... favelas. Cada vez mais favelas. Os aglomerados de barracos que invadem a maior faixa contínua de Mata Atlântica do país estão ali por um problema demográfico. Desde 1985, quando a estrada foi asfaltada, a população dos municípios de São Sebastião, Caraguatatuba, Ubatuba e Ilhabela praticamente triplicou. Como 80% do território faz parte de parques estaduais (da Serra do Mar e de Ilhabela) e os outros 20% estão salpicados de áreas de preservação permanente, como mangues, restingas e beiras de rio, o espaço físico disponível para ocupação humana é limitadíssimo. Mesmo assim, o poder público assistiu de braços cruzados à invasão desse paraíso. Com a chegada de turistas atraídos pela facilidade de acesso e de migrantes que viam no boom imobiliário oportunidades de emprego, desapareceram do mapa 730 hectares de bromélias, orquídeas, palmitos, ipês... Uma área equivalente a quase cinco parques do Ibirapuera.

Além do desmatamento, essa expansão frenética vem deflagrando uma série de outros problemas. Sem sistema de tratamento, o esgoto contamina o solo e a água. Como consequência, os rios e as praias ficam poluídos. Por falta de espaço para aterrar o lixo, tudo o que se descarta na região tem de ser transportado para outras cidades. Não raro o transbordo causa acidentes na estrada que corta a floresta. Há ainda o funcionamento desordenado das marinas, que despejam óleo, combustível e outros produtos tóxicos na areia e no mar. Para fiscalizar os quatro municípios, a Polícia Militar Ambiental dispõe de 110 homens. É pouco. Outras 323 pessoas trabalham para evitar invasões e conter a ação de caçadores dentro do Parque Estadual da Serra do Mar, um terço delas na porção que fica no Litoral Norte. São insuficientes também. Para piorar esse cenário, estão previstas ali quatro obras de grande porte. Até 2013, o Porto de São Sebastião deve ser ampliado e a Rodovia dos Tamoios, que liga Caraguatatuba a São José dos Campos, duplicada. A Petrobras pretende construir uma unidade de tratamento de gás e um gasoduto que cortará a serra ao meio. Além dos impactos ambientais inerentes a essas intervenções, elas criarão 4 000 postos de trabalho e atrairão ainda mais gente.