sábado, maio 22, 2010

Questão de ordem



Todo mundo sabe que na Semana da Cultura Caiçara deste ano havia dois bons shows programados -- um na sexta, dia 14, com Almir Sater e outro no sábado, dia 15, com Sérgio Reis. Todo mundo deve saber também que os dois shows não aconteceram -- os artistas originalmente programados foram substituídos por artistas locais.

Não tenho informações sobre como foi o evento no sábado. Na sexta o que presenciei foi o seguinte: as autoridades presentes na Praça Coronel Julião não foram capazes de subir ao palco para oferecer explicações sobre a mudança de última hora ou para pedir desculpas pelo ocorrido.

Eu não me senti pessoalmente ofendido pela mudança, embora goste muito da música instrumental de Almir Sater. Problemas podem ocorrer e foi este o caso. Felizmente havia um grupo musical de Ilhabela disposto a animar aquela noite da Semana da Cultura Caiçara.

O problema, bastante sério, é a total displicência com que o assunto foi tratado pelos responsáveis. Isto é, não foi tratado. As informações disponíveis correram à boca miúda e até hoje não se sabe exatamente o que aconteceu.

Não me interessa o fato em si, porque, como disse antes, não me sinto pessoalmente ofendido com o que houve -- a noite foi agradável, enfim. O que me preocupa é o que o fato representa: pessoas públicas que não vêm a público quando sua presença é fundamental, pessoas públicas que não compreendem qual é a hierarquia que devem seguir, pessoas públicas que não sabem o que é liderança, organização e representatividade.

Se ignoram todas estas coisas, explico.

-- Quando um problema surge na condução de qualquer aspecto da administração de um município, é fundamental que os responsáveis se manifestem, dêem todas as informações necessárias e coloquem-se à disposição caso surjam dúvidas sobre aquele assunto -- mesmo que seja um show numa festa popular.

-- Ocupar um cargo público, a despeito do onipresente cartaz que lembra o contribuinte dos riscos de ofender um funcionário público em ação, significa servir à população, não o contrário. Como dizem as definições clássicas, o poder do homem público emana da população -- e o dinheiro que o sustenta também. Só isto já seria suficiente para neutralizar instituições nauseabundas como a carteirada e o "você sabe com quem está falando?".

-- Um cargo público tem um enorme peso simbólico na condução de um município -- tanto maior é esse peso quanto mais alta a posição do indivíduo no organograma de uma prefeitura. Prefeitos, secretários, vereadores, deputados -- mais do que simplesmente realizar obrigações previstas na lei, todo homem público simboliza algo que influenciará a forma como a sociedade se constrói e se desenvolve.

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quinta-feira, maio 06, 2010

Outono

Àquelas pessoas que, como eu, sofrem de incontinência opiniática no que toca aos diversos problemas que afetam Ilhabela, o outono é época especial, cheia de sinais que, somados ou tomados isoladamente, são capazes de calar a boca até mesmo do mais resmelengo dos analistas.

Nesta época tudo é melhor. Sim, melhor.

Com temperaturas mais amenas, os turistas já começaram a subir a serra em busca do frio esnobe de Campos do Jordão. Só os que têm algum interesse genuíno em Ilhabela atravessam o Canal de São Sebastião; são turistas menos afetados pela moda, pelo point do momento, que não fazem questão de trazer para o arquipélago seu nojinho da rusticidade local. Eles a aceitam bem e é essa rusticidade que permite que a cidade seja um pouco mais sincera, um pouco mais simples, um pouco mais lenta.

Apesar das temperaturas amenas, ainda há calor suficiente para ir à praia, que ficam sistematicamente vazias no outono. É possível caminhar longamente sem esbarrar em ninguém ou nada além dos muros que insistem em invadir a areia. Quem já freqüentou uma praia vazia sabe o que significa poder ouvir o som manso do ir-e-vir do mar.

Além disso, não existe em Ilhabela época mais exuberante do que o outono. O calor do verão estreita nossa relação com o sol, mas é no outono que os panoramas mais espetaculares se revelam. O verão nos deixa extrovertidos demais, desejosos de roupas mínimas, incomodados com o chão quente e o suor abundante. O inverno nos deixa introvertidos demais; buscamos o sol com finalidade e nos basta o simples fato do alívio do frio. O outono nos convida a observar -- em vez de apenas buscar luz ou sombra. E a observação só é possível quando há silêncio.

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O céu se manifestou quando comecei a anotar estas palavras no papel. E ainda há quem acredite em coincidências.




Luz rara em outras épocas do ano. A câmera (de celular) não ajudou, mas o céu fez sua parte.