sexta-feira, agosto 31, 2012

Para quê serve Ilhabela?


Pois bem. Você viu o prefácio, não? Se não viu, vá lá, veja antes de ler as linhas seguintes.

O próximo passo é lembrar das razões que trouxeram você para este lugar.

Mesmo que você seja, suponhamos, o mais mau-caráter dos especuladores imobiliários de Ilhabela, você só será 100% mau-caráter se você não mora no arquipélago. Se você mora aqui então

1) você reconhece o valor que este lugar tem e
2) espera que este lugar continue o acolhendo como o acolheu desde o início.

Se, além de morar, você também está criando seus filhos aqui, então você não é tão mau-caráter assim: talvez lhe falte ascendência, mas você já possui uma descendência para a qual você planeja uma vida boa no lugar em que você vive neste momento. A bem dizer, você não é exatamente mau-caráter, você tem esperança e conta com a gentileza deste lugar. Isto vale para todas as outras pessoas que moram aqui -- não importa a dose de mau-caratismo que as constitua.

Resumindo: quem mora aqui, em alguma medida tem uma relação de amor com este lugar:

-- no passado, porque escolheu viver aqui ou porque, caso tenha nascido aqui por algum acidente do destino, seus ascendentes fizeram essa escolha.

-- no presente, porque de outra forma já teria feito as malas para subir a serra.

-- no futuro, porque, como indiquei acima, tem a esperança de terminar seus dias aqui no arquipélago e ser enterrado pelos bisnetos, também moradores de Ilhabela.

Se assim é -- e acho difícil que seja de outra forma -- por que raios tantas e tantas pessoas comportam-se como se a necessidade mais urgente de Ilhabela fosse transformar o arquipélago numa cópia malfeita e em escala reduzida de alguma cidade da Grande São Paulo? Por que raios tantas e tantas pessoas trabalham como se aquilo que as liga a este lugar -- ontem, hoje e amanhã -- fosse mero acidente, absolutamente desnecessário para a sobrevivência delas próprias, como se esse elemento de conexão entre as pessoas e o lugar não fosse o fator decisivo para a preservação do lugar mas também -- e principalmente -- para essa sobrevivência?

Entendo que há em Ilhabela um número significativo de pessoas que vieram para o arquipélago exclusivamente para trabalhar. Algumas dessas pessoas estão aqui por razões circunstanciais, isto é, ficam aqui enquanto houver renda e trabalho. Comportam-se como parasitas. Trabalham como se uma vida boa dependesse apenas do dinheiro no bolso. São sanguessugas, não são gente, muito menos cidadãos.

O que não se pode ignorar, porém, é que estas pessoas só conseguem trabalho e algum êxito financeiro e profissional porque há pessoas sinceramente dispostas a criar raízes aqui.

Um marceneiro que trabalha contando os dias que faltam para completar o montante de dinheiro que o levará de volta à sua terra natal, presta serviços a quem precisa de armários e prateleiras em um lar (o negrito não foi à toa) situado em algum bairro de Ilhabela.

O construtor que realiza obras sonhando com o próximo serviço em qualquer outra cidade do litoral presta serviços a quem decidiu ter uma casa para morar em Ilhabela -- algo que, por definição, só deixará o arquipélago após a demolição e que, portanto, implica uma dose razoável de raízes.

Tais exemplos são suficientes para compreender que até mesmo o mais mesquinho e ganancioso dos indivíduos depende da bondade deste lugar e, sobretudo, depende da existência de um bom número de pessoas dispostas a reconhecer essa bondade e abraçá-la verdadeiramente.

Portanto, não seja imbecil. Se obras fossem algo bom em absoluto, já teríamos pontes ligando o arquipélago ao continente, edifícios de 30 pavimentos e uma larga avenida com pedágios contornando toda a Ilha de São Sebastião. O que é bom é ação realizada com critério e critério só surge quando as pessoas estudam e observam com atenção a realidade que se pretende modificar. Compreender essa realidade inclui compreender os fatores que o trouxeram para Ilhabela e que fazem você continuar aqui. Se você apóia ações, projetos, políticas e idéias que pretendem modificar substancialmente esses fatores, isto é o mesmo que dar um tiro no próprio pé ou serrar o galho em que você está sentado. 

Não se comporte como se o patrimônio natural e histórico que existe sob seus pés fosse permanente e circunstancial, como se ele pudesse ser transformado e remodelado e maquiado sem que sua própria vida não se alterasse em nada.

Experimente apagar uma memória, abandonar um hábito ou alterar substancialmente um cenário do dia-a-dia e veja o que acontece em sua vida.

*

A resposta à pergunta proposta no início é: Ilhabela serve para ser o que sempre foi antes mesmo que houvesse uma cidade aqui. Não digo isso porque este é o meu sonho cor-de-rosa, porque eu quero que seja assim, mas porque, como espero ter demonstrado, é exatamente isso que traz as pessoas para cá -- moradores, veranistas e turistas.

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2 comentários:

Anônimo disse...

Olá boa tarde, eu e meu marido estamos pensando seriamente em sair dessa selva de pedra que é são Paulo e prestar concurso ai pra ilha, eu sou formada em arquitetura e ele em analise de sistema, andei dando uma olhada nos salários para essas duas formações e os mesmos estão com um salário de uns 3400 cada, arredondando então em 7000 mil, caso passássemos no concurso os dois, poderia me informar se com esse valor de 7000 por mês é possível pagar aluguel, agua, luz e derivados em Ilhabela? viver razoavelmente bem?
somos jovens, eu tenho 27 e ele 25, adoramos essa ilha, sempre que possível vamos passar férias ai, e gostaria da sua sincera opinião ..

Desde já, agradeço.

Christian Rocha disse...

Boa tarde.

Sim, uma renda mensal em torno de 7 mil reais é suficiente para viver em Ilhabela. Os aluguéis são caros em todo o litoral paulista, mas com um pouco de pesquisa é possível encontrar bons imóveis para viver em bons bairros.