terça-feira, outubro 30, 2012

Blog do Kim

Kim Axel reativou seu blog e traz, nesta nova fase, posts bastante interessantes e inteligentes sobre atualidades de Ilhabela e outros assuntos. Vale a pena acompanhá-lo.

domingo, outubro 21, 2012

Resumo de três décadas

Foto de Vanessa de Paula, via G1.

Caiçaras venderam terrenos para turistas-veranistas-investidores da Grande São Paulo a preço de banana. Estes construíram casas de veraneio, pousadas e todo tipo de imóvel com o objetivo de criar aqui uma espécie de «campus avançado» das benesses metropolitanas. Claro que precisaram de mão de obra para isso. Caiçaras não querem, não sabem e/ou não precisam trabalhar em construção civil. Vieram os migrantes, do norte de Minas Gerais e do sul da Bahia. Somados os turistas-veranistas-investidores com os migrantes, a população de Ilhabela rapidamente ultrapassou a marca dos 20 mil habitantes -- dizem que a marca dos 30 mil também já ficou para trás.

Para onde foram os caiçaras? Ninguém sabe. Eles reaparecem esporadicamente, como marionetes na congada anual ou como sombras numa missa num domingo qualquer. Não se manifestam. O silêncio sugere consentimento, arrependimento ou medo -- ou todas estas coisas juntas.

Com a cidade crescida, com estrangeiros como maioria, com caiçaras fora de cena, é claro que os parâmetros só poderiam ser estrangeiros também. Tem-se usado aqui um padrão feito de asfalto e luzes, cujo futuro pode ser visto em várias versões em cidades tão diferentes como Caraguatatuba, São Paulo ou São José dos Campos.

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Há um conflito óbvio entre um lugar e um modelo de cidade. O lugar é o arquipélago de Ilhabela. O modelo é São Paulo, que é na verdade um antimodelo, um antiurbanismo, um antilugar -- é a expressão de um projeto de poder, não a tradução urbana daquilo que o lugar sempre foi. Desde a década de 80 inexiste a possibilidade de conciliar o modelo com o lugar e os esforços para combinar as duas coisas só tem levado à danação de um desses dois entes. E é basicamente por isso que Ilhabela, como a grossa maioria das cidades do litoral brasileiro, é uma cidade fuleira e cada vez mais medíocre instalada num lugar exuberante e único. Tornar-se cada vez mais medíocre, claro, implica tornar-se cada vez mais ignorante para com a exuberância e as particularidades deste lugar.

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A cada quatro anos as eleições municipais deixam claras duas coisas:

-- Candidatos, funcionários públicos (políticos ou não) e eleitores de um modo geral sequer imaginam tudo o que foi dito até aqui. Suspeitam que «algo errado» vem acontecendo nas últimas décadas, mas acreditam que a Prefeitura e a Câmara Municipal darão um jeito.

-- Por não terem conhecimento ou interesse acerca da história recente de Ilhabela, são incapazes de compreender o que está acontecendo. Isto leva essas pessoas a desenvolver projetos de poder e de investimento, não projetos de cidade, muito menos projetos de sociedade ou de cultura. Assim, obras e mais obras são propostas com a estúpida esperança (ou nem isso) de que possam constituir um projeto de cidade, de sociedade e de cultura, como se uma pavimento novo numa rua ensinasse algo ou nos ajudasse a valorizar o que nos foi dado sem nenhum esforço. É o OBRISMO em sua expressão máxima: a tendência -- que não é exclusiva de Ilhabela, claro -- de resolver todos os assuntos municipais, sejam eles estruturais ou não, à base de obras, reformas, inaugurações e fotos, porque currículo político é isso aí.

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Reparem que nossos patrimônios históricos foram reduzidos a três obras: a Igreja Matriz, a Cadeia Antiga e a Fazenda do Engenho d'Água. Praias, que aqui existem desde a pré-história e que foram o palco da pré-urbanidade ilhabelense, não apenas não são vistas como patrimônios como rapidamente foram transformadas em área de despejo de esgoto de casas e de barcos. Quem pode, tem piscina no quintal. Uma vez finalizada, a «maior obra de saneamento da história de Ilhabela» lançará esgoto praticamente in natura no meio do Canal de São Sebastião -- o que na prática significa que dependeremos da gentileza das correntes marítimas para não nadar em toletes e não ganhar inteiramente grátis uma micose e outras doenças mais desagradáveis.

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A Ponta do Pequeá já era. As praias já eram. As cachoeiras já eram. A cultura caiçara já era. A tranqüilidade, que atraiu um monte de gente de saco cheio da zoeira metropolitana, já era. A segurança já era.

Em troca ganhamos (a cacofonia foi de propósito) uma «fonte interativa», asfalto, avenidas mais largas, obras, obras e obras. Ainda vamos ganhar, em resposta aos apelos populares, um teleférico e uma ponte estaiada -- dois itens de extrema importância para o desenvolvimento econômico e cultural da sociedade ilhabelense.

Não surpreende que a Prefeitura de Ilhabela tem sido, como em tantas pequenas cidades brasileiras, a maior e mais importante empresa local. E o mais aterrorizante é que, a cada eleição, cidadãos continuam eufóricos com os projetos de poder de um político ou de uma coligação, continuam vendo a política como solução (não como o problema que sempre foi) e continuam subscrevendo ações (leis, decretos, projetos) que nada trazem além de uma dependência cada vez maior da população em relação ao poder público municipal.

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Mudam-se prefeitos e vereadores e uma coisa não muda: Ilhabela continua trocando o que tem de mais particular, único e especial por coisas absolutamente medíocres, banais e comuns.

E as próximas três décadas?

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Nota:

Eu seria muito injusto se, em meio a um manifesto desses, não destacasse o trabalho de duas instituições: o Instituto Ilhabela Sustentável e o Observatório Social.

Estas duas organizações têm realizado ações fundamentais para o município e mostram estar atentas a fatos como os que mencionei em meu texto. É uma pena que boa parte das energias dessas organizações seja consumida na tarefa de moderar o frenesi desenvolvimentista da Prefeitura e da Câmara Municipal.